quarta-feira, 4 de junho de 2025

NICANOR JACINTO: A LUZ QUE REGISTROU AS VOZES INVISÍVEIS DA CULTURA POPULAR

 

Por Carlos Galdino – Rádio Cantareira FM


São Paulo, 4 de junho de 2025 — O dia amanheceu mais silencioso no coração dos artistas da palavra, do canto, da luta e da memória. Faleceu nesta terça-feira, Nicanor Jacinto da Silva, poeta, ativista, documentarista, artista múltiplo, criador da TV ARTMULT Cultural e, acima de tudo, uma das almas mais generosas da militância artística brasileira. Figura constante nos saraus e movimentos culturais de São Paulo, sua partida deixa um legado de resistência, afeto e poesia.
UMA BIOGRAFIA DE LUTA, POESIA E LENTE SOCIAL
Nicanor nasceu no interior de São Paulo e, desde jovem, migrou para a capital, onde se enraizou na zona leste. Ainda na juventude, escreveu seus primeiros poemas e começou a registrar os artistas da rua com uma câmera emprestada. Criou seu primeiro sarau na década de 1990, reunindo músicos, poetas e ativistas num quintal de Itaquera. Era um autodidata que mesclava o lirismo da palavra com o olhar documental da lente. A partir dos anos 2000, aprofundou sua atuação na cena alternativa paulistana, transitando por centros culturais, sindicatos, universidades, favelas e pontos de cultura.
A TV ARTMULT CULTURAL: UM SONHO COLETIVO TRANSFORMADO EM ACERVO
Fundada por ele em 2010, a TV ARTMULT Cultural tornou-se um canal de memória viva da cultura brasileira. Com milhares de vídeos publicados no YouTube, documentou gratuitamente saraus, lançamentos de livros, shows, manifestações políticas e oficinas. Era comum vê-lo chegar com sua filmadora simples, mochila surrada e sorriso largo. Gravava, editava e publicava — sem pedir nada em troca. Como relembra Bosco Maciel:
“Ele fazia isso sem custo algum para os artistas. Era com o dinheiro do próprio bolso, recursos que lhe faziam falta por ser aposentado. Um grande defensor das culturas populares do Brasil.”
Nicanor criou também o Sarau da TV Artmult em parceria com o jornal Linguagem Viva, realizando encontros memoráveis no Cama & Café, ponto de memória cultural no centro da cidade.
PRESENÇA NOS FILMES, NAS RUAS, NAS LUTAS
Nicanor participou de curtas-metragens e documentários, inclusive como ator, roteirista e diretor. Seus registros estiveram presentes em produções coletivas como "Sarau é Resistência" (2017) e "Versos em Movimento" (2022). Também compôs músicas, atuou em peças e apresentou seu trabalho em diversas feiras literárias.
Carlos Moura relembra:
"O cinegrafista, compositor e ator levou sua poesia ao sarau ARTE NO CORETO, na Praça da República, onde emocionou o público com seus versos e sua presença."
RELATOS DE AMOR E LAMENTO
A comoção nas redes sociais foi imediata. Artistas, amigos e coletivos culturais expressaram tristeza, gratidão e reverência. A seguir, alguns trechos que expressam a dimensão afetiva e política da perda:
Vlado Lima – “Perdemos um grande guerreiro das artes hoje. Vá em paz, Nicanor. Você fará falta.”
Preta Lemes – “Grande amigo e poeta, amante da arte, muito querido. Ajudou tantos de nós, iniciantes na música e na poesia.”
Luiz Carlos Bahia – “Sua partida entristece toda uma classe artística que, através dos seus sensíveis registros, teve visibilidade. Você fará muita falta à arte e cultura popular brasileira.”
Hélio Braz – “Agitador cultural e de uma generosidade imensurável. Muita Metta, querido amigo.”
Fernando Souza Aranha dedicou-lhe o poema de Chico Buarque “Onde Andará Nicanor?”, chamando-o de jardineiro do amor e da memória.
Zé Sarmento – “Triste. Siga na luz. Meus sentimentos.”
Celso Stinghen – “Notícia triste! Que o Nicanor Tvartmult tenha um caminho de muita luz!”
Jairo Cechin – “Que perda triste! Vá em paz, guerreiro da cultura!”
Dinho Nascimento – “Poxa! Camarada Nicanor Jacinto da Silva, figura dócil, amável, bom astral! Sentimentos de coração! Segue no caminho da Paz eterna de Orun!”
Élio Camalle – “De fato, uma perda para a produção artística de resistência. Nicanor Tvartmult Presente!”
Norberto Jr Do Valle – “Imenso carolineador de registros imateriais... Voa Nicanor Tvartmult.”
UMA FIGURA DOCE, UMA REFERÊNCIA VIVA
Arnaldo Afonso, poeta e produtor, sintetizou com emoção:
“Todo artista dos saraus deve muito ao trabalho de divulgação realizado por ele. Nicanor fez por merecer muitos aplausos por sua atuação nas artes alternativas.”
Seu nome é lembrado com reverência por nomes como Bosco Maciel, Michelle Doneda, João Rafael, Fernando da Phoenix, Chico Sasi, Zezé Motta, Dinha e tantos outros que tiveram sua trajetória fortalecida por uma entrevista, um vídeo ou uma palavra amiga de Nicanor.
O ÚLTIMO REGISTRO, O PRIMEIRO DE UMA NOVA MEMÓRIA
Em 23 de maio de 2025, poucos dias antes de falecer, Nicanor foi fotografado no lançamento do livro Canto do Alaúde, de Fernando da Phoenix, no Sindicato dos Jornalistas. Estava sorridente, ao lado de Michelle Doneda e João. Talvez tenha sido seu último registro em vida — o homem que registrou tantos se tornou, enfim, personagem eterno de sua própria obra.
UM LEGADO INAPAGÁVEL
Nicanor Jacinto deixou um acervo monumental. Seu canal no YouTube é uma verdadeira cinemateca da cultura de base, das vozes invisibilizadas, das potências ignoradas pelas grandes mídias. Seu maior legado, porém, é o exemplo de vida: servir à arte com entrega, sem vaidade. Viver da palavra e viver pela palavra.
Como escreveu Chico César: “A arte é o que resta quando a política falha.” Nicanor sabia disso. Por isso, lutou. Por isso, viveu.
DESPEDIDA COM POESIA
“E que eu me vá com o vento
Entre versos e ladeiras
Que minha câmera siga
Nos olhos de outras parceiras.
Que o meu sarau ressoe
Nas praças, favelas, calçadas
Porque a arte, meus amigos,
Não aceita ser calada.”
(Último poema publicado por Nicanor em sua rede, março de 2025)
NICANOR: PRESENTE!
Descanse em luz, poeta. Sua memória está segura em cada vídeo, em cada olhar, em cada sarau. Porque onde houver poesia, haverá você.
Pode ser uma imagem de 2 pessoas, chapéu e texto que diz "joão oevangelistarodrigues evangelista rodrigues"
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Jane Arruda de Siqueira

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