segunda-feira, 30 de junho de 2025

Um Grito Urgente pela Memória: Caruaru e a Necessidade Inadiável do Museu da Imagem e do Som


 

Um Grito Urgente pela Memória: Caruaru e a Necessidade Inadiável do Museu da Imagem e do Som


Caruaru, a "Capital do Forró", pulsa com uma energia cultural que transcende as fronteiras do São João. Terra de grandes vozes, microfones icônicos, redações aguerridas e cineclubes vibrantes, a cidade é um celeiro inesgotável de talentos e histórias que moldaram não apenas o Agreste pernambucano, mas também o cenário cultural e jornalístico do Brasil. No entanto, o tempo, implacável, ameaça apagar a memória dessas figuras e feitos, diluindo um legado que, se não for preservado, corre o risco de desaparecer da lembrança coletiva. Diante dessa realidade alarmante, emerge um clamor uníssono: a criação urgente do Museu da Imagem e do Som de Caruaru (MIS Caruaru). Mais do que um espaço físico, o MIS se apresenta como uma política pública de memória, educação, cultura e identidade local, um bastião de resistência contra o esquecimento.

Caruaru: Berço da Comunicação Popular e Artística

A história da comunicação em Caruaru é um fascinante mosaico de pioneirismo e paixão. Remonta aos anos 1910, com a circulação dos primeiros jornais impressos e revistas culturais que serviram de voz para a intelectualidade local. Publicações como o Jornal A Defesa, fundado em 1917, o mais antigo periódico da cidade, de forte cunho político e literário, foram verdadeiras escolas de pensamento e cidadania. O Jornal de Caruaru, de 1961, destacava-se por suas reportagens investigativas, enquanto o Jornal Vanguarda, da década de 1970, ecoava a efervescência cultural do Agreste. Não podemos esquecer a Revista Splendide, de circulação independente entre os anos 1950 e 1970, que documentava festas, literatura, artes e os costumes da elite local, traçando um retrato vívido de uma época.



O Rádio Caruaruense: Voz da Identidade e da Resistência

O rádio em Caruaru transcendeu a função de mero meio de comunicação; ele foi companhia, informação e, acima de tudo, identidade. As ondas sonoras das grandes emissoras moldaram a paisagem da cidade e se tornaram a trilha sonora de gerações. A Rádio Difusora de Caruaru, fundada em 6 de setembro de 1951, foi a primeira emissora da cidade, um marco da comunicação popular no Agreste. Poucos anos depois, em 31 de agosto de 1958, a Rádio Cultura do Nordeste surgiu, reconhecida como a primeira rádio genuinamente caruaruense, com uma forte identidade regional que a diferenciava.  

Em 25 de outubro de 1966, a Rádio Liberdade de Caruaru iniciou suas transmissões, destacando-se por um jornalismo forte e uma programação popular e esportiva que conquistou o coração dos ouvintes. A evolução da Rádio Difusora, que se tornou a Rádio Jornal Caruaru, afiliada ao Sistema Jornal do Commercio, consolidou o rádio caruaruense como um dos principais veículos da região.



Profissionais que se tornaram ícones, cujas vozes ressoam até hoje na memória coletiva, foram a espinha dorsal dessas emissoras. Tony Gel, com sua habilidade no rádio político e popular, Wilson Bezerra, a voz lendária da Rádio Liberdade, e Clóvis Gonçalves, referência no jornalismo esportivo, são apenas alguns exemplos. Robério Queiroz, com seus comentários influentes, e Ivan Bulhões e César Lucena, que marcaram a cobertura regional, também contribuíram para a rica tapeçaria do rádio caruaruense. Esses nomes não apenas narraram a história da cidade, mas a construíram com suas palavras e suas presenças marcantes no dia a dia da população.


A Televisão e o Cinema: Janelas para o Mundo e Espelhos da Alma Caruaruense

Caruaru não se limitou ao rádio e ao impresso; a cidade também foi pioneira no audiovisual do interior nordestino. A TV Tropical, fundada em 1979, despontou como uma das primeiras emissoras de televisão do interior de Pernambuco. Com produção local vibrante, programas de auditório e um jornalismo que falava diretamente com a comunidade, a TV Tropical abriu as portas para o desenvolvimento televisivo na região. Posteriormente, a TV Nova Nordeste – Caruaru surgiu, com uma vocação educativa e comunitária que a diferenciava. Além disso, retransmissoras de grandes redes nacionais como Globo, Record, Band e SBT passaram a gerar conteúdos híbridos, mesclando o local e o nacional, mas sempre com um olhar atento para as peculiaridades de Caruaru.

No entanto, a ausência de um museu ou de uma política pública de acervo resultou em uma tragédia cultural silenciosa: grande parte do que foi produzido por essas emissoras se perdeu. Fitas mofadas, arquivos apagados e o simples esquecimento ameaçam apagar registros valiosos da história e da cultura caruaruense.

O cinema também desempenhou um papel fundamental na formação da identidade visual da cidade. Nos anos dourados, Caruaru contava com salas que eram verdadeiros templos da sétima arte. O Cine Regal, ativo entre as décadas de 1940 e 1970, juntamente com o Cine São Luiz e o Cine Capitólio, exibiam um repertório diversificado que ia desde clássicos europeus até as populares chanchadas e filmes nacionais, reunindo famílias e amigos em torno da tela grande. O Cine Clube Caruaruense, fundado por estudantes nos anos 1980, foi um espaço vital para a exibição de filmes alternativos e a promoção de debates culturais, enriquecendo o cenário artístico da cidade. Com o fechamento dessas salas de rua, Caruaru não perdeu apenas espaços de exibição, mas também uma parte significativa de sua memória coletiva, da experiência de ir ao cinema e compartilhar a magia da projeção.

Nomes que ecoam na cultura caruaruense:

A riqueza cultural de Caruaru é indissociável dos nomes que a construíram e a projetaram. Além dos comunicadores já mencionados, a cidade é celeiro de escritores, cronistas, atores e artistas da cena que deixaram e continuam deixando sua marca.

Escritores e Cronistas:

  • Nelson Barbalho: Historiador, cronista e autor do indispensável “Caruaru, ontem e hoje”, sua obra é um pilar para quem busca compreender a trajetória da cidade.
  • Luiz Lua Gonzaga Filho (Luizinho de Gonzaga): Poeta e memorialista, com uma sensibilidade única para retratar as nuances da vida caruaruense.
  • Rosimar Lemos: Escritora e difusora da literatura popular, com um trabalho que valoriza as raízes culturais da região.
  • José Condé: Autor reconhecido nacionalmente, que elevou o nome de Caruaru no cenário literário brasileiro.
  • José Carlos da Silva: Autor, editor e incansável defensor da cultura caruaruense, com uma atuação fundamental na preservação da memória local.

Atores e Artistas da Cena:

  • Luís Vieira: Ator e músico, nome nacional nos anos 1960, que levou o talento caruaruense para além das fronteiras estaduais.
  • José Pimentel: Caruaruense de adoção, consagrado por seu papel icônico como Jesus nos espetáculos da Paixão de Cristo, emocionando multidões ano após ano.
  • Arary Marrocos: Com uma trajetória que vai do teatro ao audiovisual, Arary é um exemplo da versatilidade artística da cidade.
  • Sandro Lins: Ator e produtor ligado intrinsecamente à cena cultural da cidade, com uma atuação constante e relevante.
  • Germano Rabello: Criador de espetáculos populares, que leva a arte para o povo e mantém viva a tradição teatral de Caruaru.

Esses nomes, e tantos outros, são a prova viva da efervescência cultural que marca Caruaru. Eles são a alma da cidade, e suas contribuições merecem ser não apenas lembradas, mas celebradas e acessíveis a futuras gerações.


O Projeto do MIS Caruaru: Uma Proposta Abrangente de Memória

A criação do Museu da Imagem e do Som de Caruaru (MIS Caruaru) não é um luxo, mas uma necessidade urgente. A proposta do MIS Caruaru é abrangente e visionária, concebida para ser um espaço de resistência simbólica e de construção de memória. Entre suas principais frentes de atuação, destacam-se:

  • Acervos de gravações históricas de rádio e TV: Resgatar, digitalizar e disponibilizar programas, noticiários, entrevistas e todo o material audiovisual produzido ao longo das décadas pelas emissoras caruaruenses. Isso inclui desde os primeiros registros sonoros da Rádio Difusora até os telejornais da TV Tropical, garantindo que essas vozes e imagens não se percam no tempo.
  • Arquivamento de jornais e revistas históricas da cidade: Preservar e organizar coleções completas de periódicos como "A Defesa", "Jornal de Caruaru" e "Revista Splendide", permitindo que pesquisadores, estudantes e o público em geral tenham acesso a esses documentos que narram a vida e a política local.
  • Espaços para oficinas de comunicação, fotografia, audiovisual e jornalismo: O MIS não será apenas um local de contemplação, mas um centro dinâmico de aprendizado. Essas oficinas capacitarão novos talentos, transmitindo o conhecimento e as técnicas das gerações passadas.
  • Exposições sobre grandes nomes da mídia caruaruense: Mostras dedicadas a personalidades como Tony Gel, Nelson Barbalho, José Pimentel e tantos outros, com objetos pessoais, documentos, fotos e depoimentos que revelem suas trajetórias e suas contribuições.
  • Memoriais digitais, com escuta pública e acervo online: Expandir o alcance do museu para o ambiente digital, permitindo que o acervo seja acessado de qualquer lugar do mundo. A escuta pública, por meio de depoimentos e histórias orais, enriquecerá ainda mais o material.

Para que essa visão se concretize, é fundamental uma articulação multissetorial. Reivindicamos que a Câmara de Vereadores de Caruaru elabore e aprove um Projeto de Lei para a criação e regulamentação do MIS, em parceria com a Secretaria de Cultura do município, com o apoio irrestrito do Governo do Estado de Pernambuco e da sociedade civil. As emissoras de rádio e TV da cidade devem ser parceiras institucionais nesse processo, doando acervos, cedendo espaços para exposições temporárias e promovendo campanhas de mobilização pública que envolvam a comunidade.

Dados Culturais Atuais: Um Cenário em Transformação

A Caruaru de hoje, mesmo com sua vocação cultural tão enraizada, reflete as transformações dos tempos. Os dados culturais atualizados indicam essa dinâmica:

  • Emissoras de rádio: Atualmente, a cidade conta com 8 emissoras principais (AM/FM), incluindo nomes consolidados como Liberdade, Cultura, Jornal, Cidade, Nova FM e CBN Caruaru. A diversidade de programações atende aos mais variados públicos.
  • Emissoras de TV: São 4 retransmissoras regionais (Globo, SBT, Record, TV Nova), que mesclam o conteúdo nacional com noticiários e programas locais, mantendo a população informada e conectada.
  • Jornais impressos ativos: O formato físico reduziu-se a apenas 2 periódicos locais, refletindo a migração do consumo de notícias para as plataformas digitais.
  • Salas de cinema: Concentradas no Caruaru Shopping, são 6 salas da rede Cinépolis, um contraste com a época dos grandes cinemas de rua, mas que ainda garantem o acesso à produção cinematográfica.

Esses dados reforçam a importância de um MIS que não apenas olhe para o passado, mas também documente o presente, compreendendo as mutações e desafios da comunicação e da cultura em Caruaru.


Preservar a História é Dar Voz ao Futuro

Caruaru é gigante em sua criatividade, em sua capacidade de comunicação e em sua resiliência. Seu povo é vibrante, e seus artistas, comunicadores, cronistas e repórteres merecem ser lembrados e celebrados. É inaceitável que a história da cidade, essa narrativa rica e multifacetada, continue esquecida em porões, em fitas mofadas ou em arquivos digitais que um dia serão apagados.

O Museu da Imagem e do Som de Caruaru não é apenas um projeto; é um imperativo moral e cultural. É um ato de respeito àqueles que construíram a identidade da cidade, um investimento na educação das futuras gerações e um elo fundamental na construção de um futuro que valorize suas raízes.

Por uma Caruaru que respeita sua história, valoriza sua cultura e sonha alto com o futuro. MIS Caruaru já!


Carlos Galdino Poeta, jornalista e cronista cultural Instagram: @carlosgallldino

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