Um Grito Urgente pela Memória: Caruaru e a Necessidade
Inadiável do Museu da Imagem e do Som
Caruaru, a "Capital do Forró", pulsa com uma
energia cultural que transcende as fronteiras do São João. Terra de grandes
vozes, microfones icônicos, redações aguerridas e cineclubes vibrantes, a
cidade é um celeiro inesgotável de talentos e histórias que moldaram não apenas
o Agreste pernambucano, mas também o cenário cultural e jornalístico do Brasil.
No entanto, o tempo, implacável, ameaça apagar a memória dessas figuras e
feitos, diluindo um legado que, se não for preservado, corre o risco de
desaparecer da lembrança coletiva. Diante dessa realidade alarmante, emerge um
clamor uníssono: a criação urgente do Museu da Imagem e do Som de Caruaru
(MIS Caruaru). Mais do que um espaço físico, o MIS se apresenta como uma
política pública de memória, educação, cultura e identidade local, um bastião
de resistência contra o esquecimento.
Caruaru: Berço da Comunicação Popular e Artística
A história da comunicação em Caruaru é um fascinante mosaico
de pioneirismo e paixão. Remonta aos anos 1910, com a circulação dos primeiros
jornais impressos e revistas culturais que serviram de voz para a
intelectualidade local. Publicações como o Jornal A Defesa, fundado em
1917, o mais antigo periódico da cidade, de forte cunho político e literário,
foram verdadeiras escolas de pensamento e cidadania. O Jornal de Caruaru,
de 1961, destacava-se por suas reportagens investigativas, enquanto o Jornal
Vanguarda, da década de 1970, ecoava a efervescência cultural do Agreste.
Não podemos esquecer a Revista Splendide, de circulação independente
entre os anos 1950 e 1970, que documentava festas, literatura, artes e os
costumes da elite local, traçando um retrato vívido de uma época.
O Rádio Caruaruense: Voz da Identidade e da Resistência
O rádio em Caruaru transcendeu a função de mero meio de
comunicação; ele foi companhia, informação e, acima de tudo, identidade.
As ondas sonoras das grandes emissoras moldaram a paisagem da cidade e se
tornaram a trilha sonora de gerações. A Rádio Difusora de Caruaru,
fundada em 6 de setembro de 1951, foi a primeira emissora da cidade, um marco
da comunicação popular no Agreste. Poucos anos depois, em 31 de agosto de 1958,
a Rádio Cultura do Nordeste surgiu, reconhecida como a primeira rádio
genuinamente caruaruense, com uma forte identidade regional que a diferenciava.
Em 25 de outubro de 1966, a Rádio Liberdade de Caruaru
iniciou suas transmissões, destacando-se por um jornalismo forte e uma
programação popular e esportiva que conquistou o coração dos ouvintes. A
evolução da Rádio Difusora, que se tornou a Rádio Jornal Caruaru,
afiliada ao Sistema Jornal do Commercio, consolidou o rádio caruaruense como um
dos principais veículos da região.
Profissionais que se tornaram ícones, cujas vozes ressoam
até hoje na memória coletiva, foram a espinha dorsal dessas emissoras. Tony
Gel, com sua habilidade no rádio político e popular, Wilson Bezerra,
a voz lendária da Rádio Liberdade, e Clóvis Gonçalves, referência no
jornalismo esportivo, são apenas alguns exemplos. Robério Queiroz, com
seus comentários influentes, e Ivan Bulhões e César Lucena, que
marcaram a cobertura regional, também contribuíram para a rica tapeçaria do
rádio caruaruense. Esses nomes não apenas narraram a história da cidade, mas a
construíram com suas palavras e suas presenças marcantes no dia a dia da
população.
A Televisão e o Cinema: Janelas para o Mundo e Espelhos
da Alma Caruaruense
Caruaru não se limitou ao rádio e ao impresso; a cidade
também foi pioneira no audiovisual do interior nordestino. A TV
Tropical, fundada em 1979, despontou como uma das primeiras emissoras de
televisão do interior de Pernambuco. Com produção local vibrante, programas de
auditório e um jornalismo que falava diretamente com a comunidade, a TV
Tropical abriu as portas para o desenvolvimento televisivo na região.
Posteriormente, a TV Nova Nordeste – Caruaru surgiu, com uma vocação
educativa e comunitária que a diferenciava. Além disso, retransmissoras de
grandes redes nacionais como Globo, Record, Band e SBT passaram a gerar
conteúdos híbridos, mesclando o local e o nacional, mas sempre com um olhar
atento para as peculiaridades de Caruaru.
No entanto, a ausência de um museu ou de uma política
pública de acervo resultou em uma tragédia cultural silenciosa: grande
parte do que foi produzido por essas emissoras se perdeu. Fitas mofadas,
arquivos apagados e o simples esquecimento ameaçam apagar registros valiosos da
história e da cultura caruaruense.
O cinema também desempenhou um papel fundamental na formação
da identidade visual da cidade. Nos anos dourados, Caruaru contava com salas
que eram verdadeiros templos da sétima arte. O Cine Regal, ativo entre
as décadas de 1940 e 1970, juntamente com o Cine São Luiz e o Cine
Capitólio, exibiam um repertório diversificado que ia desde clássicos
europeus até as populares chanchadas e filmes nacionais, reunindo famílias e
amigos em torno da tela grande. O Cine Clube Caruaruense, fundado por
estudantes nos anos 1980, foi um espaço vital para a exibição de filmes
alternativos e a promoção de debates culturais, enriquecendo o cenário
artístico da cidade. Com o fechamento dessas salas de rua, Caruaru não perdeu
apenas espaços de exibição, mas também uma parte significativa de sua memória
coletiva, da experiência de ir ao cinema e compartilhar a magia da projeção.
Nomes que ecoam na cultura caruaruense:
A riqueza cultural de Caruaru é indissociável dos nomes que
a construíram e a projetaram. Além dos comunicadores já mencionados, a cidade é
celeiro de escritores, cronistas, atores e artistas da cena que deixaram
e continuam deixando sua marca.
Escritores e Cronistas:
- Nelson
Barbalho: Historiador, cronista e autor do indispensável “Caruaru,
ontem e hoje”, sua obra é um pilar para quem busca compreender a
trajetória da cidade.
- Luiz
Lua Gonzaga Filho (Luizinho de Gonzaga): Poeta e memorialista, com uma
sensibilidade única para retratar as nuances da vida caruaruense.
- Rosimar
Lemos: Escritora e difusora da literatura popular, com um trabalho que
valoriza as raízes culturais da região.
- José
Condé: Autor reconhecido nacionalmente, que elevou o nome de Caruaru
no cenário literário brasileiro.
- José
Carlos da Silva: Autor, editor e incansável defensor da cultura
caruaruense, com uma atuação fundamental na preservação da memória local.
Atores e Artistas da Cena:
- Luís
Vieira: Ator e músico, nome nacional nos anos 1960, que levou o
talento caruaruense para além das fronteiras estaduais.
- José
Pimentel: Caruaruense de adoção, consagrado por seu papel icônico como
Jesus nos espetáculos da Paixão de Cristo, emocionando multidões ano após
ano.
- Arary
Marrocos: Com uma trajetória que vai do teatro ao audiovisual, Arary é
um exemplo da versatilidade artística da cidade.
- Sandro
Lins: Ator e produtor ligado intrinsecamente à cena cultural da
cidade, com uma atuação constante e relevante.
- Germano
Rabello: Criador de espetáculos populares, que leva a arte para o povo
e mantém viva a tradição teatral de Caruaru.
Esses nomes, e tantos outros, são a prova viva da
efervescência cultural que marca Caruaru. Eles são a alma da cidade, e suas
contribuições merecem ser não apenas lembradas, mas celebradas e acessíveis a
futuras gerações.
O Projeto do MIS Caruaru: Uma Proposta Abrangente de
Memória
A criação do Museu da Imagem e do Som de Caruaru (MIS
Caruaru) não é um luxo, mas uma necessidade urgente. A proposta do
MIS Caruaru é abrangente e visionária, concebida para ser um espaço de resistência
simbólica e de construção de memória. Entre suas principais frentes
de atuação, destacam-se:
- Acervos
de gravações históricas de rádio e TV: Resgatar, digitalizar e
disponibilizar programas, noticiários, entrevistas e todo o material
audiovisual produzido ao longo das décadas pelas emissoras caruaruenses.
Isso inclui desde os primeiros registros sonoros da Rádio Difusora até os
telejornais da TV Tropical, garantindo que essas vozes e imagens não se
percam no tempo.
- Arquivamento
de jornais e revistas históricas da cidade: Preservar e organizar
coleções completas de periódicos como "A Defesa", "Jornal
de Caruaru" e "Revista Splendide", permitindo que
pesquisadores, estudantes e o público em geral tenham acesso a esses
documentos que narram a vida e a política local.
- Espaços
para oficinas de comunicação, fotografia, audiovisual e jornalismo: O
MIS não será apenas um local de contemplação, mas um centro dinâmico de
aprendizado. Essas oficinas capacitarão novos talentos, transmitindo o
conhecimento e as técnicas das gerações passadas.
- Exposições
sobre grandes nomes da mídia caruaruense: Mostras dedicadas a
personalidades como Tony Gel, Nelson Barbalho, José Pimentel e tantos
outros, com objetos pessoais, documentos, fotos e depoimentos que revelem
suas trajetórias e suas contribuições.
- Memoriais
digitais, com escuta pública e acervo online: Expandir o alcance do
museu para o ambiente digital, permitindo que o acervo seja acessado de
qualquer lugar do mundo. A escuta pública, por meio de depoimentos e
histórias orais, enriquecerá ainda mais o material.
Para que essa visão se concretize, é fundamental uma
articulação multissetorial. Reivindicamos que a Câmara de Vereadores de
Caruaru elabore e aprove um Projeto de Lei para a criação e regulamentação
do MIS, em parceria com a Secretaria de Cultura do município, com o
apoio irrestrito do Governo do Estado de Pernambuco e da sociedade
civil. As emissoras de rádio e TV da cidade devem ser parceiras
institucionais nesse processo, doando acervos, cedendo espaços para exposições
temporárias e promovendo campanhas de mobilização pública que envolvam a
comunidade.
Dados Culturais Atuais: Um Cenário em Transformação
A Caruaru de hoje, mesmo com sua vocação cultural tão
enraizada, reflete as transformações dos tempos. Os dados culturais atualizados
indicam essa dinâmica:
- Emissoras
de rádio: Atualmente, a cidade conta com 8 emissoras principais
(AM/FM), incluindo nomes consolidados como Liberdade, Cultura, Jornal,
Cidade, Nova FM e CBN Caruaru. A diversidade de programações atende aos
mais variados públicos.
- Emissoras
de TV: São 4 retransmissoras regionais (Globo, SBT, Record, TV Nova),
que mesclam o conteúdo nacional com noticiários e programas locais,
mantendo a população informada e conectada.
- Jornais
impressos ativos: O formato físico reduziu-se a apenas 2 periódicos
locais, refletindo a migração do consumo de notícias para as plataformas
digitais.
- Salas
de cinema: Concentradas no Caruaru Shopping, são 6 salas da rede
Cinépolis, um contraste com a época dos grandes cinemas de rua, mas que
ainda garantem o acesso à produção cinematográfica.
Esses dados reforçam a importância de um MIS que não apenas
olhe para o passado, mas também documente o presente, compreendendo as mutações
e desafios da comunicação e da cultura em Caruaru.
Preservar a História é Dar Voz ao Futuro
Caruaru é gigante em sua criatividade, em sua capacidade de
comunicação e em sua resiliência. Seu povo é vibrante, e seus artistas,
comunicadores, cronistas e repórteres merecem ser lembrados e celebrados. É
inaceitável que a história da cidade, essa narrativa rica e multifacetada,
continue esquecida em porões, em fitas mofadas ou em arquivos digitais que um
dia serão apagados.
O Museu da Imagem e do Som de Caruaru não é apenas um
projeto; é um imperativo moral e cultural. É um ato de respeito àqueles
que construíram a identidade da cidade, um investimento na educação das futuras
gerações e um elo fundamental na construção de um futuro que valorize suas
raízes.
Por uma Caruaru que respeita sua história, valoriza sua
cultura e sonha alto com o futuro. MIS Caruaru já!
Carlos Galdino Poeta, jornalista e cronista cultural
Instagram: @carlosgallldino
Nenhum comentário:
Postar um comentário