segunda-feira, 23 de junho de 2025

Heróis ou Criminosos? A perversidade da cultura de homenagens aos algozes do povo brasileiro

 



Heróis ou Criminosos?

A perversidade da cultura de homenagens aos algozes do povo brasileiro

Por Carlos Galdino

Há um pacto silencioso, mas poderoso, firmado entre a história oficial e a elite dominante deste país. Um pacto que transforma homens brancos, ricos, violentos e opressores em heróis nacionais. Um pacto que escreve o nome de criminosos em placas de rua, monumentos, praças, cidades e escolas, enquanto apaga os nomes dos verdadeiros construtores deste país: os trabalhadores, os nativos, os negros, as mulheres, os anônimos que foram a espinha dorsal da nação.

Esse pacto é perverso. E precisa ser rompido.

Uma pátria que homenageia seus algozes

Quem são os nomes que estampam nossas avenidas, escolas e bairros? Coronéis, barões do café, senhores de escravizados, militares golpistas, políticos corruptos, padres inquisidores, bandeirantes que mataram e estupraram populações inteiras.

A história do Brasil é coberta de estátuas de pedra e bronze que envergonham o futuro e insultam a memória.

Quantas cidades homenageiam bandeirantes? Quantos bairros têm o nome de fazendeiros escravocratas? Quantas escolas levam o nome de generais da ditadura?

Quantos homens que estupraram, torturaram, exploraram, mandaram matar, hoje são lembrados como se fossem benfeitores?

Enquanto isso, os verdadeiros heróis — os anônimos — são esquecidos.

  • Onde está a rua que homenageia a mulher negra que lavou roupa a vida inteira e criou filhos sozinha?

  • Onde está o nome do índio que morreu defendendo seu território?

  • Onde está a estátua do pedreiro que ergueu as casas, do operário que ergueu as fábricas, da cozinheira que alimentou gerações?

Nossa geografia urbana é um cemitério simbólico da justiça histórica.

A cidade homenageia o violador, e silencia a vítima.

A elite e sua estratégia de heroificação

Não é coincidência. É projeto.

A elite que se manteve no poder desde a colônia — com breves interrupções populares rapidamente reprimidas — sempre soube a força que há em controlar a memória coletiva. E fez isso com maestria.

Elevou seus pares à condição de heróis. Imortalizou os nomes de seus aliados. E usou o Estado para sacramentar o esquecimento dos outros.

Assim, coronéis viraram fundadores de cidades.

Senhores de escravos viraram barões homenageados.

Militares que derrubaram presidentes e rasgaram constituições viraram nomes de avenidas.

Golpistas viraram patriotas.

Essa é uma forma de violência simbólica que perpetua desigualdades, reverencia opressores e cala os oprimidos.

É hora de reescrever as placas e descer as estátuas

Não se trata de “apagar a história” — esse é o discurso desesperado de quem sempre teve a caneta e o mármore à sua disposição.

Trata-se de corrigir o erro, denunciar o falso heroísmo, desconstruir a idolatria do poder e da violência.

Precisamos de leis que obriguem a revisão de nomes de ruas, escolas, edifícios públicos, cidades e monumentos.

Precisamos exigir que:

  • Homens que participaram de regimes ditatoriais não sejam homenageados.

  • Senhores de escravos não sejam exaltados como fundadores ou benfeitores.

  • Militares golpistas não sejam chamados de patriotas.

  • Estupradores, bandeirantes, assassinos de indígenas e negros não sejam eternizados em praças.

A estátua de um bandeirante armado, olhando altivo para o horizonte, é uma ofensa a cada povo originário que teve sua aldeia queimada.

Uma escola com nome de general da ditadura é uma agressão a cada mãe que enterrou um filho torturado.

Uma avenida com nome de fazendeiro escravocrata é um tapa na cara de cada neto de negros sequestrados e tratados como gado.

Precisamos de uma nova toponímia: popular, justa, plural

Imagine uma cidade onde as ruas levem o nome de mulheres lavadeiras, líderes quilombolas, professoras primárias, indígenas expulsos da terra, artistas populares, mães solos, poetas esquecidos, operários mortos em acidentes de trabalho, crianças vítimas de violência.

Gente de verdade. Gente do povo. Gente que construiu este país com sangue, suor e silêncio.

Não queremos vingança.

Queremos memória justa.

Queremos lembrar de quem merece ser lembrado.

E parar de aplaudir quem deveria ter sido julgado.

Conclusão: nenhuma rua para quem nos violentou

O Brasil não pode seguir como um país que venera seus algozes e ignora seus mártires.

Não é aceitável que a cidade onde vivemos, amamos, lutamos e morremos seja um mapa de homenagens a criminosos históricos.

É hora de enfrentar o passado com coragem.

De exigir leis. De rever nomes. De derrubar estátuas.

E de escrever, com justiça e memória, uma nova história nas placas das ruas.

Brasil, vamos parar de aplaudir quem nos violentou. Vamos homenagear quem nos construiu.


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