O poeta morre mais de uma vez
(para ler em silêncio ou em voz alta)
para Vlado Lima
Já disseram isso mais de uma vez,
dessa forma e de outras formas diferentes:
Não fui eu que disse,
e é por isso que eu digo:
O poeta morre mais de uma vez.
Eu diria:
uma centena de vezes.
Morre antes de morrer.
Morre em vida.
Morre em vida por amor,
pela morte de um amigo,
pela tristeza,
pela solidão.
E por mais de uma solidão:
a solidão de estar só —
e o "só" que não é só físico,
mas o só de quem pensa,
de quem escreve,
de quem escreve e não diz.
Morre na solidão
de quem se declara no silêncio do papel,
de quem chora no silêncio do papel,
de quem desabafa
na solidão do papel.
E morre ainda mais.
Morre num dia frio,
numa tarde chuvosa,
na sala vazia,
num banco de praça em manhã de domingo,
no ponto vazio,
no banco vazio do ônibus.
Morre sem convite para festas,
(o que às vezes até agradece).
Morre na fila do hospital,
no edital recusado,
no projeto reprovado,
na vida recusada.
O poeta morre.
E mesmo depois de morto,
o poeta continua a morrer:
de sua carcaça vaidosa e carnal,
renasce o esquecimento.
Morre esquecido na estante,
sem ser lido,
sem ser tocado,
sem ser cheirado.
Morre perdido numa mudança,
rasgado por uma criança
que rabisca a página
e sem saber,
corta-lhe a carne de palavras.
Morre no bairro alagado,
no incêndio do museu abandonado,
sufocado na vitrine
de um museu —
se chegar a isso.
Morre exposto.
Morre atravessado.
Morre ao ser lido sem sentido.
Morre. Morre o poeta.
Morre tão completamente,
que — como disse Bandeira —
morre de não saberem
nem o nome dele.
Mas ainda…
ainda vive.
Morre ao ver um pássaro morto,
uma flor pisada,
ao perder um poema,
ao esquecer um verso,
ao não escrever.
Eu hoje escrevi bastante.
Será que vou morrer?
— Carlos Galdino
Jabaquara – São Paulo, SP
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