quarta-feira, 25 de novembro de 2020

“O psicológico social está arrebentando!”




Mesmo com a retomada da energia no último dia 24, os amapaenses ainda lidam com as consequências e os estragos dos apagões


Caroline Campos e Milena Brito


A frase acima é de Bené Alcântara, um dos moradores do estado do Amapá que, após 22 dias sem o abastecimento contínuo de energia, vivendo em sistema de rodízio, finalmente voltaram hoje (24), aos poucos, a receber eletricidade em suas casas. Os problemas começaram na noite do dia 3 de novembro, depois de uma explosão que comprometeu o funcionamento dos transformadores na subestação Macapá, pertencente a empresa Linhas de Macapá Transmissora de Energia, LMTE, localizada na capital amapaense. 

Os dois apagões, um dia 3 e outro dia 17, que atingiram 13 municípios, geraram um verdadeiro caos para a população que já sofria com as dificuldades causadas pela pandemia da Covid-19. O estado conta com mais de 57 mil casos confirmados e quase 800 óbitos. Sem energia, a situação piorou, e além de se preocupar com o vírus, os habitantes viram seus empregos serem interrompidos, eletrodomésticos pifarem, alimentos estragarem e o abastecimento de água ser cortado. “Foi uma correria para ligar e desligar os aparelhos elétricos nas casas, sem qualquer noção dos horários de racionamento”, relata Alcântara, 58 anos, professor de História que passou a morar no Centro de Macapá para cuidar da irmã e da sobrinha, infectadas pelo coronavírus.

  Geovane Grangeiro, 41 anos, que também vive na capital, conta que os prejuízos causados neste período se estendem entre os pequenos comerciantes e os moradores comuns do estado. “Os produtos de frios armazenados em geladeiras e frigoríficos ficaram impróprios para o consumo. O mesmo ocorreu às famílias com os mantimentos do mês. Pessoas diabéticas que precisavam guardar na geladeira doses de insulina, passaram pelo vale da morte”, descreve.

Uma profissão simbolo do norte do Brasil, os batedores de açaí também foram afetados com a crise. Os pequenos produtores da mercadoria, que é muito apreciada pelo resto do país, viram seus produtos estocados e estragando devido a falta de eletricidade que liga as máquinas necessárias para a produção. “O pobre que trabalha para comprar uma geladeira é o mais prejudicado”, comenta Julia, 72 anos, professora aposentada que reside no bairro Novo Buritizal, também em Macapá.

  Além disso, cenas incomuns passaram a ser presenciadas nas ruas das cidades. “Alguns poucos estabelecimentos que possuíam geradores, se formavam gigantescas filas: bancos, postos de combustíveis, vendas de gelo. E todos esses produtos subiram de preços. Córregos de água suja passaram a ser frequentados para as pessoas se banharem e lavarem roupas e louças”, acrescenta Grangeiro. Também tiveram relatos de incêndios causados pelo uso de velas que substituíram as lâmpadas em casas de famílias que viram seus móveis virando cinzas, e acumularam mais perdas resultantes dos apagões.

Todo esse descaso gerou um forte levante da população, que coordenou diversas manifestações críticas, criativas e pacíficas ao redor do estado, que aconteceram todos os dias, especialmente por parte da juventude. Implementado o sistema de rodízio após a recuperação parcial de um transformador, a energia intercalava entre seis horas com e seis horas sem, e, depois, passou para três horas. “O problema é que o cronograma falhava e houve denúncia de que em conjuntos habitacionais de alto padrão, a energia se mantinha 24 horas. Aí gerou mais revolta popular”, comenta Grangeiro, que também é professor. 

Essa incerteza quanto ao horário e a duração da luz causaram uma privação de sono relatada também pelos habitantes que se mantinham acordados para desligarem os eletrodomésticos ou para fazerem suas atividades com medo de que a energia não voltasse mais nas próximas horas. 

Apesar do retorno integral da eletricidade através do transporte de um transformador vindo de Laranjal do Jari, ao sul do capital, os moradores ainda relatam imensa insegurança sobre a situação energética do estado. Depois de 22 dias em que as autoridades pediam “paciência” e evitavam declarações, é difícil acreditar que a situação foi resolvida, principalmente algumas questões como se a LMTE, empresa que deveria fazer a distribuição da eletricidade por todo o estado, será responsabilizada.

A distribuição de energia no Amapá é privatizada, o que por si só gera uma distância entre o poder dos moradores e o poder da empresa. A LMTE pertence a uma instituição privada chamada Gemini Energy, parte do grupo conhecido por Starboard Asset. No entanto, como apurado pelo veículo The Intercept, a companhia já respondeu por autuações feitas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) referente à manutenção dos geradores. Inclusive, um dos que pegaram fogo no último dia 3 estava em manutenção desde outubro de 2019. 

Quanto ao Governo Federal, o presidente Jair Bolsonaro visitou o estado apenas no dia 21 de novembro, 19 dias após o primeiro blecaute. Com ares populistas, o presidente e sua comitiva desfilaram pela cidade ao som de vaias e protestos contra a falta de apoio e comunicação com os moradores em um momento tão precário. O chefe de Estado apertou o botão que ligou os geradores termoelétricos, fez breves discursos e prometeu editar uma Medida Provisória (MP)  a fim de compensar os danos do moradores. Segundo ele, essa MP vai cobrir os gastos referentes a um mês das despesas com energia elétrica.

O atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também visitou o estado no mesmo dia, em outro momento, chegou a defender a cassação da concessionária e desejou que os responsáveis fossem punidos.  A Justiça Federal  anunciou o pagamento de duas parcelas extras no valor de 600 reais do auxílio emergencial para os amapaenses, mas a decisão já foi suspensa após o Governo Federal recorrer.

Enquanto compartilha brincadeiras sobre a experiência extrema com o mini apocalipse que o Amapá teve que enfrentar, Bené Alcântara completa: “O povo canaliza o humor para não ficar somente nas lágrimas! Aqui dizemos que o povo amapaense é  muito ‘gaiato’”. Ou seja, um povo brincalhão e divertido, mas também resistente e batalhador.

Em momentos de aperto também encontramos a solidariedade, e não foi diferente com a população amapaense. “Alguns disponibilizaram tomadas nos seus estabelecimentos para carregamento de celulares. Outras famílias que tinham poços abertos em suas casas, socializavam com os vizinhos”, comenta Geovane, que destaca a ajuda mútua entre pequenos comerciantes e moradores vulneráveis. “Ações de distribuição de cestas básicas também ocorreram para atender famílias carentes. O povo foi muito generoso”, finaliza.


O estado do Amapá está recebendo doações através da Frente Solidária Salvem o Amapá. 

Para doações em dinheiro:

Meris Fabíola de Jesus da Silva

(96) 98105-7066

CPF: 612.468.603-17

Agência: 0001

Conta corrente: 17238360-8







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