segunda-feira, 7 de julho de 2025

Quando a poesia estende o tapete vermelho para a periferia

 Quando a poesia estende o tapete vermelho para a periferia


Por Carlos Galdino – São Paulo, julho de 2025


                                   Era só mais uma tarde fria em São Paulo. Mas dentro daquela sala, havia um calor difícil de descrever. Um calor que vinha dos olhos, dos abraços, daquilo que ninguém vê, mas se sente. No meio do público, entre livros e sorrisos, uma mulher nordestina, humilde, emocionada, com o coração batendo mais forte do que nunca: Edenilda.

Na última sexta-feira, entre olhares tímidos e sorrisos cheios de verdade, Edenilda atravessou o salão com a alma em festa. Mulher simples, mãe, moradora da periferia, ela teve seu nome eternizado em versos. Sua voz, antes abafada pelo cotidiano duro da cidade grande, agora ecoa nas páginas da coletânea Poetas da Liberdade.

Foi num auditório modesto, mas cheio de emoção, que Edenilda lançou o seu primeiro poema publicado — o evento aconteceu no Cama e Café, prédio histórico no centro velho da cidade de São Paulo, um espaço de acolhimento, resistência, luta e afeto.

Não foi uma tarde de celebridades, flashes ou manchetes — mas foi, para ela, o maior tapete vermelho que a vida poderia estender. Seus filhos estavam ali, com os olhos marejados de orgulho. O marido também. E cada abraço recebido era como um prêmio, uma medalha invisível no peito de quem sempre lutou em silêncio.

Edenilda, nervosa e tímida, trazia no olhar a alegria de quem, pela primeira vez, foi vista. De quem, por meio da palavra, foi reconhecida. Numa sociedade que tantas vezes fecha portas, a literatura decidiu abrir os braços. E a poesia, generosa, convidou-a a entrar.

Ver essa mulher, com seus versos nas mãos, sendo chamada de “autora”, sendo reconhecida como alguém que tem o que dizer — isso não é pouco. Isso é tudo. É a poesia fazendo o que mais sabe: dar voz a quem quase nunca é ouvido.

Edenilda não estudou Letras, não frequentou universidades, nem participou de grandes rodas literárias. Mas ela viveu. E viver, com intensidade, é também uma forma legítima de literatura.

Naquela tarde, ela subiu ao palco, falou poucas palavras, mas disse muito. O olhar dela era de quem compreendia, pela primeira vez, que a sua história também importava. Que ela também cabia no livro da vida — e no da literatura.

A emoção de seus filhos ao vê-la ser aplaudida não era orgulho à toa. Era reconhecimento. Era justiça poética. E social.

Essa tarde não será capa de jornal. Não viralizará nas redes. Mas, para Edenilda, significou o mundo. E não há estatística que mensure o valor de uma mulher que, mesmo sem saber, sempre foi poesia. Só precisava de um espaço onde pudesse se ler em voz alta.

Quantas Edenildas ainda estão em silêncio por aí? Quantas histórias potentes ainda não encontraram espaço entre as páginas de um livro?

Essa coletânea, esse gesto, essa presença — tudo isso nos ensina que é preciso acreditar. Que a palavra é uma ponte. Que a literatura, quando é feita com verdade, tem o poder de incluir, de curar, de libertar.

Edenilda entrou na literatura pela porta da frente. E com ela, entraram tantas outras mulheres que agora, talvez, se sintam autorizadas a escrever também.

Porque quando uma mulher como ela publica um poema, o mundo inteiro se reorganiza. E isso não é exagero. É poesia acontecendo de verdade.


Carlos Galdino
Poeta, radialista e graduado em Direito. Escreve com o coração voltado para as margens, onde tantas histórias precisam ser contadas.  


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