São Paulo, 20 de dezembro de 2024. Escrevo com o coração
apertado, a saudade latejando como um reumatismo antigo, daqueles que só sebo
de carneiro curava. Hoje, soube da partida do Sr. Messias, o mago por trás do
Sebo do Messias, e um turbilhão de memórias me invadiu, transportando-me de
volta a 1995.
Eu, um moleque nordestino de 17 anos, recém-chegado à selva
de pedra, office boy da Metalúrgica Calliano da Rua Auriverde na Vila Carioca.
Minha moda? Boné, calças largas com o fundo quase no joelho, camisetas com
frases divertidas - um rebelde sem causa, embalado pelas 7 melhores da Jovem
Pan. Minha missão? Desbravar o centro de São Paulo, entre cartórios e bancos,
um labirinto de prédios e gente por todos os lados.
Meu pai, com sua sabedoria sertaneja, me alertava:
"Cuidado com a Praça da Sé, menino! Lá roubam os pneus do carro com ele
andando, tiram a meia do sujeito e ele nem percebe!". Eu ia, com medo,
confesso. Medo e curiosidade, um coquetel explosivo. Cada dia era uma aventura.
Ia por uma rua e voltava por outra, desvendando caminhos, tentando entender
onde aquela rua desconhecida ia dar.
Foi nesse desbravar que me deparei com o Sebo do Messias. O
nome, "Sebo", me causou arrepios. Na minha terra, sebo era só de
carneiro, remédio para as dores dos "véio". A curiosidade faminta me
arrastou para dentro. E que descoberta! Um oásis no meio do concreto, um
universo paralelo onde o tempo parecia ter parado.
Passei horas ali, embriagado por livros, revistas, discos e
um sem-fim de objetos que contavam histórias silenciosas. Minha memória me
traiu ao atribuir a Drummond a voz de Ednaldo Couto, mas lembro-me vividamente
de me encantar com o "Recitativo" dele, aquele livro de capa
marcante. Foi lá também que conheci Paulo Bonfim e sua obra, expandindo ainda
mais meus horizontes literários. E claro, foi no Sebo que me apaixonei por
Bandeira, e seu "Estrela da Vida Inteira" se tornou minha bíblia
particular. Um mundo se abriu, muito além dos prédios e do barulho da cidade.
O Sebo do Messias era mais que uma loja, era um refúgio, um
portal para outros mundos. Era o lugar onde um office boy nordestino, com medo
da Praça da Sé, podia encontrar a poesia e se perder nas páginas de um livro.
Onde o sebo de carneiro do meu sertão se transformava em sebo literário,
alimentando a alma e a imaginação.
Hoje, ao saber da partida do Sr. Messias, só me resta
agradecer. Obrigado, Sr. Messias, por ter criado esse oásis no meio da selva de
pedra. Obrigado por ter aberto as portas para um moleque curioso, sedento por
conhecimento e por poesia. Obrigado por ter me apresentado a tantos autores,
incluindo Ednaldo Couto, Paulo Bonfim e, especialmente, o inesquecível Manuel
Bandeira. Obrigado por ter me ensinado que a vida é muito mais do que ruas e
prédios, que ela se esconde também nas páginas amareladas de um livro antigo,
na estante empoeirada de um sebo mágico.
Sua partida deixa um vazio, mas o legado permanece, vivo em
cada livro, em cada objeto, em cada memória daqueles que, como eu, tiveram a
sorte de cruzar o seu caminho e descobrir a magia do Sebo do Messias. Vá em
paz, mestre, e que os anjos o recebam com versos de Bandeira. Seu sebo, sua
história e sua bondade, essas jamais serão esquecidas.
Com eterna gratidão,
Carlos Galdino.
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