Homenagem ao Poeta Miró da Muribeca
Hoje celebramos o aniversário de Miró da Muribeca, um poeta pernambucano que, com sua presença vibrante e inovadora, deixou uma marca indelével na literatura brasileira. Miró, que carregava o nome de seu querido bairro no Recife com orgulho, viveu intensamente a poesia e fez dela sua vida, sua paixão e sua fonte de sustento. Morou em São Paulo, onde vendeu e viveu de suas poesias, livros, performances e apresentações, tornando-se um ícone da literatura urbana.
Miró era um verdadeiro cronista do cotidiano, alguém que conseguia ver além do óbvio. Com uma combinação rara de acidez, humor e doçura, ele transformava a realidade em poesia, criando um documento vivo de nosso caos, fragilidade e beleza. Sua obra era um espelho da vida, refletindo tanto suas dores quanto suas esperanças.
Tive o privilégio de conviver com Miró durante o tempo em que esteve por aqui. Participamos juntos de saraus e eventos literários. Lembro-me especialmente das suas apresentações na Casa das Rosas, onde ele se apresentava com a força e o vigor de um verdadeiro artista. Também compartilhamos momentos na Casa do Pezão, um espaço de encontros e celebrações culturais. Miró era inquieto e criativo, munganguento e genial – uma alma genuinamente apaixonada pela arte.
O nome de João Flávio Cordeiro da Silva, antes associado ao sonho de ser jogador de futebol, ficou eternamente imortalizado na literatura com o nome de Miró da Muribeca. Foi assim que ele ficou conhecido, inspirado pelo atleta do Santa Cruz Mirobaldo.
Miró da Muribeca partiu em 2022, mas deixou um legado cultural que transformou a forma de pensar a poesia urbana. Ele fundiu diferentes referências e criou um estilo único de recitação e performance em espaços públicos, influenciando muitos que vieram depois dele. Sua obra transcendeu seu corpo periférico e se tornou parte do patrimônio cultural brasileiro. Como afirma Wellington de Melo, escritor e editor que está preparando uma biografia sobre Miró, valorizar e preservar sua obra é uma obrigação de qualquer gestor público de cultura.
A Praça da Palavra, um espaço dedicado à imersão literária no FIG, passou a se chamar Praça da Palavra Miró da Muribeca. Esse espaço promove lançamentos de livros, recitais, contações de histórias e outras atividades que valorizam a literatura. A iniciativa é uma parceria com a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), que publicou dois livros de Miró: a coletânea "Miró até Agora" e o infantil "Atchin!".
João Baltar Freire, presidente da Cepe, ressalta que Miró foi um nome referencial da poesia urbana brasileira, e sua vasta obra literária é intensa, pulsante e formidavelmente lírica. A homenagem da Secretaria de Cultura/Fundarpe é um reconhecimento apropriado para um artista que sempre esteve presente na Praça da Palavra, contribuindo com sua energia e criatividade.
Em 2023, ao renomear a Praça Souto Filho para Praça da Palavra Miró da Muribeca, celebramos não apenas sua vida e obra, mas também o impacto duradouro que ele teve na literatura. Homenagear Miró é essencial para a valorização da literatura brasileira e pernambucana, e sua presença será sempre uma parte fundamental da programação do Festival de Inverno de Garanhuns.
Viva Miró!
Alguns poemas de Miró da Muribeca.
Carnaval
Deus largado pelas ruas de Recife
não sabe se dança frevo
ou vai atrás do maracatu
será que Deus também tem dúvidas?
nas ruas
igrejas e povo
Deus deixa beijar
usar a roupa que quiser
são quatro dias
que Deus não tá nem aí
aí, na quarta-feira de cinza
Deus de ressaca
perdoa quase todo mundo
– Poema do livro aDeus (Mariposa Cartonera)
★★★
olhei para o passado
as folhas dos calendários
caindo
é preciso plantar cedo sua árvore
pra mais tarde ter uma sombra
que lhe agasalhe
– Poema do livro aDeus (Mariposa Cartonera)
★★★
fui pra lá e pra cá
55 anos
ando ainda sem
entender nada
inda + agora
que Deus deu
de ombros ao mundo
e o ser humano
deu as costas
às coisas raras
como uma boa risada
– poema do livro O penúltimo olhar sobre as coisas (Mariposa Cartonera)
★★★
tem gente que nunca andou de bicicleta
mas sabe pedalar a sua vida
tem gente quem fuma cigarro e morre de câncer
antes de quem fuma maconha
tem gente que diz bom dia
e do nada morre à tarde
tem gente que nunca foi ao cinema
e sua vida virou filme
tem gente que compra carros novos
e morre atropelado
tem gente que pensa que é moderna
e é primata até dizer bosta
tem gente que se falta luz
nem um candeeiro acende
tem gente que nem o poste suporta
tem gente que no bar fala demais
e esquece de pagar a conta
tem gente que nem a conta paga
e os dinossauros nunca souberam
que o homem existiu
– poema do livro O penúltimo olhar sobre as coisas (Mariposa Cartonera)
★★★
fico olhando o mundo
não me sinto bem agora
agora sinto um
desejo
de não estar mais aqui
mas agora que aqui estou
suporto meus
54 quilos
e vários amores que se foram
a vida é um ônibus
vai levando você
o problema é em que parada
nós vamos descer
– poema do livro O penúltimo olhar sobre as coisas (Mariposa Cartonera
Carlos Galdino.
Poeta, bacharel em direito e radialista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário