sábado, 11 de maio de 2024

Judite, a velha Judite Professora


    Foto: Brunna Galdino 


Judite, a Velha Judite Professora

Por Carlos Galdino

Nas entranhas áridas do sertão pernambucano, onde o sol queima a pele e a poeira dança ao vento, eu fui criado pela mão firme e amorosa de uma mulher que transcendeu os limites da maternidade: minha avó materna, a venerável Judite do Gavião.

Judite era mais que uma figura naquela aldeia remota; era a própria alma da comunidade, uma luz brilhante em meio à escuridão da ignorância. Ela não apenas ensinava, ela cultivava mentes, regando-as com o néctar do conhecimento, mesmo em um solo tão árido quanto aquele do sertão.

Ela era a única professora na vastidão daquelas terras áridas, a guardiã dos sonhos de uma geração inteira. Enquanto o sol se punha e o calor sufocante abrandava, Judite sentava-se à sua mesa simples e escrevia cartas para São Paulo, lia as que chegavam de lá, e compartilhava as notícias com a aldeia faminta por novidades do mundo exterior.

Judite não era apenas uma educadora; era uma enfermeira, uma freira, uma parteira, uma conselheira, uma comadre, uma amiga. Em um lugar onde a eletricidade e a água encanada eram meros sonhos distantes, ela plantava palavras e sonhos nos corações dos jovens que batiam à sua porta em busca de conhecimento.

Mas o destino de Judite não foi fácil. Ela desafiou as convenções de sua época ao se separar de seu marido, enfrentando o escárnio de uma sociedade que não via com bons olhos uma mulher solteira ocupando posições de respeito. No entanto, sua coragem não conhecia limites; ela transformou sua humilde casa em uma escola, onde ensinava a ler e escrever sem cobrar um centavo de seus alunos sedentos por aprendizado.

Foi sob a tutela sábia de Judite que eu aprendi a decifrar os segredos das letras, a desvendar os mistérios dos números. Ela não apenas me ensinava; ela me desafiava a responder seus bilhetes com versos, a expressar meus pensamentos mais profundos em palavras que dançavam como folhas ao vento.

Não tenho muitas fotos de Judite, nem registros materiais de sua passagem por este mundo. Mas sua memória vive em mim, como uma chama que nunca se apaga. A cada dia, seus ensinamentos ecoam em minha mente, como uma canção de esperança e sabedoria.

Judite costumava dizer entre seus ensinamentos: "Pássaro não foi feito para viver em gaiola, você jamais vai criar pássaros em gaiolas." E entre as tristezas que guardo, eis a que mais me entristece: quando acerto, ninguém lembra; quando erro, ninguém esquece.

Obrigado, Judite, por ter sido mais que uma mãe para mim. Seu legado de amor, coragem e sabedoria continuará a guiar meus passos, hoje e sempre.




Carlos Galdino - (Carlim de Judite) 

São Paulo, 11 de maio de 2024


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