domingo, 1 de agosto de 2010

O Cigano

Paula conta, suspirando, que foi seu grande amor. Tinha cara de cantor de sandrarosamadalena, corpo grande e forte, cabelos pretos e revoltos. Colocasse brincos, seria o próprio cigano. Paula nem ligava para as roupas de taxista de subúrbio, ou melhor, de jogador de bilhar (com direito a dois botões abertos no peito e correntinha de ouro) que O Cigano usava quando se conheceram. Talvez pensasse "depois consigo faze-lo vestir-se melhor".

Mas, como a combinação bandido e paixão baseada em tesão incontrolável só podia dar em merda, foi o que aconteceu. Digo bandido porque Paula me contou, cheia de horror e delícia, que ele já esfaqueara um homem numa briga de bar. Homens assim fascinam as mulheres. Querem ser protegidas, cuidadas. Nada melhor que um antônio-banderas-el-mariache tupiniquim para lhe dar isso.

Como se não bastasse as mãos grandes e a aura de macho exalando pelos poros, o desgraçado era muito bom de cama. Pelo menos a paixão a fazia pensar assim. Até o cheiro Paula não esquece. Para confortá-la digo que era odor de homem pobre. Olha-me com desprezo e, depois de pensar um pouco, se assusta: "tem razão".

Argumento então que ele parecia um pedreiro, e já ouvira falar em mulheres que gostam desse tipo de homem, etcetera e tal. Explico a teoria de um amigo em comum de que esses homens são bons procriadores, mexem com o instinto muito selvagem e básico de mulher das cavernas que um dia elas foram. Esse mesmo amigo a aconselhou que Paula deveria voltar lá e transar com o Cigano uma última vez, vê-lo como ele realmente é (depois da paixão conseguimos ver, é o que se diz).

Ela tem medo de ir, tantos anos depois...

Entendo seu medo. Aquele sujeito fez com Paula o que quis. Quando ainda estava fresco em sua memória, falar nele a fazia tremer de saudade. Hoje só sobrou a raiva de não poder voltar no tempo e não dar aquele primeiro beijo. Paula jogava com ele, para obter favores profissionais e com isso ganhou sempre, e muito. Mas não achava nele a mínima graça, a não ser a graça que achava no modo como a seguia por mais de quarteirão quando ela saia de seu escritório, simplesmente para vê-la andar.
Até que um dia aconteceu: ele pediu em troca. Paula disse: "então me dá um beijo pra ver se vale a pena". Estavam no escritório dele, onde seria terrivelmente mau para os negócios serem vistos nessa intimidade. Então ele deu a idéia:

- Vamos ao estacionamento.

No elevador, nem bem a porta havia se fechado, ele a beijou. Não um beijo tímido, receoso, experimental. Não! Aquele foi um beijo de corpo inteiro. Seus braços fortes a prenderam quase sufocando, pressionando seu sexo em sua barriga. O elevador chegou ao estacionamento escuro e saíram ainda agarrados um ao outro. Ele a encostou contra a pilastra e correndo as mãos para baixo de seu vestido percebeu: sem calcinha.
Pasmo e maravilhado com tanta falta de pudor, abriu sua calça e a levantou, possuindo-a com um gemido grosso e selvagem, naquela garagem escura e suja. Paula gemia baixinho e pensava: "Vale à pena, nossa! vale muito à pena".
E continuaram as escapadas por muitos meses.
Tive medo por ela: O Cigano poderia matá-la se quisesse, sem nenhum trabalho. Um selvagem, ciumento e, no entanto Paula se sentia aninhada, protegida em seus braços. Havia encontrado alguém à altura de seus instintos. Adorava a necessidade que ele tinha dela. O vício. O ciúme.

Ciúmes esse que alimentou se mostrando fácil desde o começo. “Uma mulher tão fácil para mim pode ser para outros”, pensava o Cigano.
E ele queria mais. Queria tomar conta dela e de sua vida. Disse que iria cheirar sua calcinha toda vez que Paula chegasse, para se saber traído ou não. Deixava marcas em seu pescoço, para que não houvesse outros.
A coisa foi piorando, as brigas aumentavam sem que o tesão diminuísse. Os encontros eram cheios de mágoa e pedidos de perdão. Até que um dia possesso de ciúmes, bateu nela e Paula foi embora pra nunca mais voltar.

Até agora.

- Vamos lá Paula, vamos ver como ele é de verdade. Não precisa dar para o cara, nem provar a teoria maluca de fulano. Só olhar já basta, falei.

Ela aceitou. Por telefone, marquei uma reunião, sem dizer a ele quem iria comigo. Paula se vestiu como para um encontro. Perfume caro, saltos altos.
No elevador, suspirou profundamente. As mãos se contorciam, pernas balançavam nervosamente. Chegamos. Abrimos a porta, a sala de espera vazia.

- Com a secretária ausente, podemos bater na porta direto, não? Perguntei.

E assim fizemos. Quando a porta se abriu, fiquei estarrecida.
Evidentemente acima do peso ideal, olhar cansado, cabelos já começando a faltar, o Cigano não era mais o mesmo. A blusa aberta deixava entrever a barriga já saliente e os pêlos do peito que brilhavam de suor. Só a fatídica correntinha continuava a mesma. E o cheiro, o cheiro do suor me encheu as narinas. Arrepiei-me de nojo. Senti minhas entranhas se apertarem.

Quando viu Paula, seu rosto se transtornou e ele correu para ela, atirando-se aos seus pés e balbuciando:

- Eu sabia! Eu sabia que você ia voltar! Me perdoa meu amor, perdoa.

Beijava seus pés, suas pernas, suas roupas, suas mãos. Cheirava, como um cão entre as suas pernas. Revoltada com tal demonstração, ensaiei uma risada sarcástica, mas parei ao olhar minha amiga:
Ela sorria e chorava, segurava os cabelos do Cigano que afundava seu rosto nela, mais e mais. Ele levantou -se e abraçou-a com volúpia. Como Paula ficara pequena perto dele! Beijavam-se sofregamente, quando resolvi sair, ainda tonta de surpresa.

Bati a porta atrás de mim, mas não resisti e colei meu ouvido nela, para continuar ouvindo sem ser vista. Pena a fechadura tão apertada. Não tardou, comecei a ouvir os gemidos. Os dela, entrecortados pelos beijos, pareciam gemidos de menina, gemidos de dor. Ele, barulhento, bramia rouco, grosso. Parecia mesmo um animal.
Fiquei excitada ouvindo aquilo, molhada e lá mesmo no corredor vazio enfiei a mão dentro da calcinha e me masturbei. Morri de vergonha de mim mesma e corri de lá como se estivesse sendo perseguida pelo demônio.
Peguei um taxi, odiando Paula e seu Cigano. Como eram depravados e teimosos!
Meu rosto afogueado, minha blusa e saias amarrotadas devem ter chamado a atenção do motorista, que me olhava pelo espelho retrovisor. Respirei profundamente e senti o cheiro. Senti o cheiro do Cigano dentro do taxi!
Abri mais um botão da blusa e retribuí o olhar.

2 comentários:

Cris disse...

Fala, Flá, pq será que esse cara estava sendo interpretado pelo Deltoro na minha mente? rs

Flá Perez (BláBlá) disse...

hahahahahahahahahhahahahahha
e não? rsrsrsrsrs

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