sábado, 1 de maio de 2010

D. Juan de Saias - da série PROSA TIRO DE DOZE


Muito tempo depois da separação ela achou, numa caixa velha e cheia de coisas que trouxera da casa da sogra, entre cadernos de escola do ex-marido, uma lista bem amassada de todas as garotas que ele havia comido, namorado ou só ficado.
Achou engraçado, patético até, mas depois pensou melhor "talvez estivesse se prevenindo para que não acontecesse o que aconteceu com ela: não se lembrava de todos!!!!"
Quando tentou fazer a sua própria lista mentalmente, sentiu-se um Don Juan de saias, como sua mãe a chamava (e ela não acreditava). Perdeu a conta e resolveu anotar também. Começou a escrever:
2 Marcelos, Giácomo (primeiro beijo), Rogério (primeiro amor, primo de Giácomo), Toninho (primeira dança lenta, segunda, terceira...), Mário, Alberto, Pedro (in memorian), 2 Franciscos (um deles teatrólogo, o outro, só louco), Konga (não era uma macaca, era um homem com o qual botei chifre no Francisco louco),
2 Marcos, Mauro (gêmeo de um dos Marcos), Márcio (o homem mais feio que já existiu), Renato (desvirginei, então tive que noivar), 2 Fernandos...

Pensava “Como consegui me formar? Como conseguia estudar desse jeito? O que a minha mãe estava fazendo que não via isso?” e sorria.

Continuou: 2 Carlos, 2 Guilhermes (in memorian de um), 3 Eduardos, Roberto (o ex-marido), um menino na danceteria idêntico ao Roberto (nem perguntei o nome), Cláudio, Licor (garçom do meu bar), um japinha no carnaval (um açougueiro, de japonês só tinha o olho e o cabelo), o amigo do primeiro Fernando, o Milionário (não posso escrever o nome), o Músico (muito menos), o Desconhecido da net (nenhum nome me ocorreu), 2 Saulos, Flor–de– Lis (esqueci o nome, mas como sempre íamos a um forró que se chamava assim...), Chulo (codinome do professor de pós-graduação mais sacana do mundo), outro japa (dessa vez cientista, cortava grandes carnes em laboratório), Elias (um mulato), Felipe, Daniel, 1 Alex e 1 Alexei, Derico, Ernani, Alfonso.
A seqüência não foi bem essa. Mais ou menos.
Em determinados momentos quis engolir o mundo e as coisas andaram meio nubladas.
Com uns foram só beijos sem namoro, outros namorou e não transou, outros transou e não namorou.
Muito poucos pensou que amou.
Dois ou três sublinhou com cor-de-rosa ou vermelho-vivo: “lembrarei até o dia da minha morte”.
Uns com carinho e saudade, outros por maus motivos.
De alguns sentia até o cheiro, o sabor do beijo, a temperatura e textura da pele, o gemido, a voz.
Não se arrepende de nenhum. Apenas podia ter feito diferente.
Alguns, pensa, ainda podia estar fazendo, não fosse o último...
O último nome ainda não havia colocado. O último.
Tentou escolheu em vão a cor mais bonita da caixa de lápis.
Não havia cor suficiente, não havia cor à altura do nome dele.
O último nome da lista escreveu com uma agulha, depois de picar o dedo e molhar a ponta em sangue.

Ele:_________________________

achados & perdidos

Para André dias - Poesia é besteira - por Rudá